A explorava o Centro Médico XX em Macau, onde exercia funções de assistente, cujo trabalho incluía o preenchimento da ficha do utente após a consulta, a impressão do recibo médico e a cobrança do preço da consulta. C exercia funções de médico ocidental no Centro Médico XX, mas não era permanente. Cada vez que C atendia um utente, A fazia o seu seguimento. Para o efeito, C assinava um recibo em branco e, em seguida, A imprimia o diagnóstico do utente no referido recibo, juntamente com o valor do preço da consulta e a data de atendimento, para passar o recibo médico do utente. Em 25 de Março de 2015, B deslocou-se ao Reino Unido, tendo para o efeito comprado um seguro de viagem à Companhia de Seguros D. Mais tarde, B planeou pedir indemnização com recibo médico falso. Com esse objectivo, B, sem ter consultado um médico, pediu ao Centro Médico XX que lhe passasse recibo médico de consulta por motivo de doença. A e C emitiram na totalidade 19 recibos médicos a B, no período compreendido entre 5 de Outubro e 14 de Dezembro de 2015. Na verdade, desde que B saiu de Macau, só aqui regressou em 22 de Dezembro de 2015, ou seja, nas datas constantes nos 19 recibos médicos acima referidos B não se encontrava em Macau. O Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou A pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 244.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, com a execução suspensa por dois anos.
Inconformado, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso. Em relação ao motivo do recurso de que A se limitou a imprimir os dados constantes na base de dados do computador pertencentes a B e não acrescentou dados que não correspondiam à verdade, o Tribunal Colectivo indicou que, a execução referida no “crime de falsificação de documento” previsto no art.º 244.º do Código Penal, de acordo com o senso comum da vida social, é uma designação genérica para os actos humanos, não excluindo nenhum acto concreto. In casu, A imprimiu em suporte de papel os dados relativos às consultas de B e aos respectivos preços e datas e, por fim, carimbou-os com o carimbo do Centro Médico, concluindo exactamente o acto de execução. Era manifestamente improcedente a defesa feita por A de que a impressão e a execução eram dois actos diferentes. Além disso, na opinião de A, o facto de não ter sido acusado como co-autor material ou cúmplice da prática do “crime de burla” com B, através de uma interpretação em sentido inverso, era suficiente para provar que ele não tinha a intenção de causar prejuízo a outrem ou à RAEM, nem de obter para si ou para terceiro interesse ilegítimo; por outro lado, A também alegou que não sabia nem tinha obrigação de saber que o levantamento de documentos por parte de B se destinava a pedir indemnização à companhia de seguros. Perante isso, o Tribunal Colectivo indicou que mesmo que o agente não mostre o elemento subjectivo do “crime de burla”, isto é, intenção de obter para si ou para terceiro interesse ilegítimo, não se podia concluir que o agente não tinha o dolo subjectivo do “crime de falsificação de documento”. De facto, A elaborou, a pedido de B, documentos cujo teor não correspondia à verdade e ele também tinha conhecimento da função dos recibos de consulta na vida social, factos estes que demonstravam suficientemente a existência da intenção de prejuízo a outrem ou à RAEM ou de obter para terceiro, B, interesse ilegítimo. A, na qualidade de gestor do Centro Médico, devia conhecer bem a função real dos recibos médicos na vida social. A, bem sabendo que B não tinha consultado o médico durante o período em causa, passou, a seu pedido, 19 recibos médicos em causa, e, como responsável da clínica, sabia perfeitamente a ilicitude da emissão de recibos de consulta falsos. Portanto, o Tribunal a quo não incorreu em erro na aplicação da lei ao condenar A pela prática de um “crime de falsificação de documento”.
Face ao exposto, o TSI negou provimento ao recurso interposto por A, mantendo a decisão a quo.
Cfr. o acórdão do TSI no processo n.º 778/2023.