A e o seu ex-marido, D, tinham disputas emocionais e pecuniárias, pois A sempre acreditou que D tinha um caso extraconjugal e que este lhe devia várias quantias, incluindo alimentos para os filhos. Em 5 de Agosto de 2022, A foi à residência de D e, através da porta de segurança de ferro, discutiu com D sobre alimentos para os filhos, utilizando palavras que causaram inquietação ou medo a D. Além disso, A pontapeou a porta de segurança em ferro, causando-lhe danos e deformação. Pelo menos a partir de meados de Agosto de 2022, o namorado de A, B, incomodado com as disputas emocionais e financeiras entre A e D, ameaçou matar D. A, em vez de dissuadir B, incentivou-o a agir, fortalecendo a sua intenção de causar danos ou mesmo matar D. Em 29 de Agosto de 2022, por volta das 8h00, o pai de D, E, e a sua mãe, F, ao saírem de casa, encontraram-se com A, B e o pai de A, C. Estes afirmaram que, se a família de D não pagasse as dívidas, fariam algo que colocaria a vida da família dele em perigo, palavras que causaram inquietação ou medo a E e F. Mais tarde, E e F regressaram a casa e apresentaram queixa à polícia. No mesmo dia, por volta das 13h00, A, B e C estavam a almoçar no estabelecimento de comidas quando B avistou D do outro lado da rua, por isso, B pegou imediatamente numa garrafa de vidro à porta do estabelecimento de comidas e saiu para perseguir D, seguido por A e C. A e B atacaram D, enquanto C impediu E de socorrer D, agredindo-o com socos e posteriormente juntando-se ao ataque a D. B pediu então a A que lhe entregasse uma faca metálica que estava na mochila dela, o que A fez. B usou a faca para atacar D, esfaqueando-o várias vezes no lado esquerdo do peito, causando-lhe perda de consciência e uma hemorragia grave. As lesões causadas por este ataque colocaram a vida de D em perigo, felizmente, graças à intervenção de transeuntes e dos profissionais de saúde que vieram posteriormente, D sobreviveu.
O Ministério Público deduziu acusação contra A, B e C, e o caso foi enviado ao Tribunal Judicial de Base. Findo o julgamento, o Tribunal Judicial de Base condenou, respectivamente, A e B, pela prática de um “crime de coacção grave (na forma tentada)”, p. e p. pelos art.ºs 149.º, n.º 1, al. a), 148.º, n.º 1 e 128.º, na pena de 1 ano de prisão, e C pela prática de dois “crimes de coacção grave (na forma tentada)”, p. e p. pelos art.ºs 149.º, n.º 1, al. a), 148.º, n.º 1 e 128.º, na pena de um ano de prisão. Condenou A e B, respectivamente, pela prática de um “crime de homicídio qualificado (na forma tentada)”, p. e p. pelos art.ºs 129.º, n.ºs 1 e 2, al. g) e 128.º, na pena de 10 anos de prisão; de um “crime de armas proibidas” previsto e punido pelos art.ºs 262.º, n.º 1, conjugado com os art.ºs 1.º, n.º 1, al. f) e 6.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 77/99/M, na pena de 3 anos de prisão. Mais condenou A pela prática de um “crime de ameaça”, p. e p. pelo art.º 147.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; e de um “crime de dano”, p. e p. pelo art.º 206.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão. Condenou B pela prática de um “crime de coacção grave (na forma tentada)”, p. e p. pelos art.ºs 149.º, n.º 1, alínea a), 148.º, n.º 1 e 138.º, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão. Condenou C pela prática de um “crime de ofensa grave à integridade física”, p. e p. pelo art.º 138.º, al. d), na pena de 3 anos de prisão; de um “crime de ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art.º 137.º, n.º 1, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, A foi condenada na pena única de 13 anos e 3 meses de prisão, B na pena única de 13 anos de prisão e C na pena única de 4 anos de prisão. Além disso, o Tribunal Judicial de Base condenou A, B e C a pagar solidariamente a D a quantia de MOP513.826, e pagar a E a quantia de MOP100.000; condenou A a pagar a F a quantia de MOP3.000, e C a pagar a E a quantia de MOP2.289 e a F a quantia de MOP5.000.Da aludida decisão recorreram A, B e C para o Tribunal de Segunda Instância, que, em 20 de Junho de 2024, negou provimento aos recursos de A, B e C. Inconformados, recorreram A e B para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.
Indicou o Tribunal Colectivo que, o acórdão recorrido apresentava uma fundamentação detalhada e suficiente para confirmar a convicção formada pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base sobre os actos criminosos, nada havendo a censurar, por não se verificar falta de fundamentação e insuficiência da decisão da matéria de facto provada, invocada por A e B, nem o erro notório na apreciação da prova. Quanto à errada qualificação jurídica do “crime de homicídio qualificado (na forma tentada)” e à sua pena aplicada, entendeu o Tribunal Colectivo que não merece censura a qualificação jurídico-penal dos actos de A e B, uma vez que estavam claramente preenchidos os elementos subjectivos e objectivos do tipo de crime cometido na forma agravada e tentada e, por outro lado, embora não se tenha apurado a verdadeira razão pela qual A e B prepararam a faca e a gasolina e elaboraram tal plano de agressão, sabia-se que existiam disputas emocionais e financeiras entre eles e o ofendido, entendeu o Tribunal Colectivo que, pela forma como a agressão foi executada, era inegável que os actos de A e B revelavam uma especial censurabilidade, justificando a agravação da pena. Quanto à pena, avançou o Tribunal Colectivo que o dolo de A e B era directo e grave, e que os seus actos tinham um elevado grau de ilicitude, mas tendo em conta a moldura penal aplicável ao caso (3 a 16 anos e 8 meses de prisão), e considerando que A e B eram delinquentes primários e que as lesões do ofendido já se encontram curadas, o Tribunal Colectivo entendeu que as penas aplicadas a A e B eram ligeiramente excessivas.
Nestes termos, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância, em conferência, concedeu parcial provimento ao recurso interposto por A e B e condenou-os pela prática, em co-autoria material, de um “crime de homicídio qualificado (na forma tentada)”, nas penas de 7 anos e 6 meses de prisão e 8 anos e 8 meses de prisão respectivamente e, em cúmulo jurídico, nas penas únicas de 9 anos e 6 meses de prisão e 11 anos e 8 meses de prisão, respectivamente.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 109/2024.