O templo, sito em Macau, s/n da Rua da Figueira, foi fundado no ano de 1895, por, entre outros, o trisavô de B e C. F, cônjuge de A, foi encarregado de tratar dos assuntos do templo e, em 1973, arrendou-o a H, pai de D e E. Em 1993, por F e G foi concedido a A poder para tratar dos assuntos relativos ao templo. Em 1999, A declarou arrendar o templo a H. Após o falecimento de H, A, B, C, D e E acordaram estipular um prazo de 10 anos de gozo do templo (de 11 de Outubro de 2005 a 21 de Outubro de 2015), fixando-se a renda anual de MOP12.000,00. No mesmo dia, D e E pagaram a quantia de MOP120.000,00 a título de rendas. Em 13 de Agosto de 2014, A, B e C comunicaram a D e E, por carta registada, que ia cessar o arrendamento na data da expiração do prazo. Em 23 de Abril de 2015, por carta enviada pela advogada, D e E foram informados que o contrato ia cessar quando da expiração do prazo. Em 24 de Abril de 2015, F comunicou novamente com D e E, mediante publicação em jornais, que o contrato cessaria quando da expiração do contrato. A, seguidamente, dirigiu-se pessoalmente a D e E para discutir a desocupação, mas D e E não a realizaram. Por fim, A, B e C propuseram, no Tribunal Judicial de Base, acção especial de despejo, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento com D e E celebrado, com o consequente despejo e condenação de D e E no pagamento de uma indemnização pelo atraso na entrega e sua deterioração no valor total de MOP3.032.000,00. Seguidamente, o Juiz titular do processo deferiu a intervenção principal de F. Realizado o julgamento, o TJB declarou nulo o alegado contrato de arrendamento, condenando as Rés a restituir o prédio aos Autores assim como no pagamento de uma indemnização pelo atraso na sua entrega.
Inconformados, os Autores, o Interveniente e as Rés recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. O TSI declarou nulo o contrato de arredamento por entender que os Autores não tinham legitimidade para celebrar o contrato de arrendamento com as Rés, e, em consequência, julgou parcialmente procedente o recurso das Rés, revogando a decisão do TJB.
Inconformados com o decidido pelo TSI, os Autores e o Interveniente recorreram para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso, apontando que o contrato de arrendamento tem efeitos meramente obrigacionais, e não reais, caracterizando-se pela obrigação do senhorio de proporcionar o gozo sobre o prédio arrendado ao arrendatário para o fim a que se destina e pelo prazo entre ambos convencionado, mediante a obrigação deste de lhe pagar uma renda. A concessão do mero gozo significa que nada se transmite, se transfere e se aliena. Na medida em que sendo o contrato de arrendamento um contrato meramente obrigacional, a legitimidade para a celebração desse tipo contratual não está dependente da qualidade de proprietário do senhorio em relação ao imóvel arrendado. No caso de celebrado já estar o contrato de arrendamento, e, enfim, o senhorio não ceder o gozo do imóvel ao arrendatário, não pode escudar-se numa suposta ineficácia do contrato por ilegitimidade, o que seria um abuso de direito mencionado no art.º 326.º do Código Civil, o mesmo valendo para o caso do arrendatário.
In casu, a factualidade pelo TJB dada como provada e que o TSI não alterou, demonstra, com a necessária segurança, a legitimidade dos ora recorrentes quanto ao seu direito de disposição sobre o imóvel, e, como tal, para celebrarem contratos de arrendamento sobre o mesmo. Tendo o período de execução contratual decorrido sem sobressaltos, agora deve o arrendatário cumprir a obrigação de restituição do imóvel ao senhorio, portanto, a invocação da nulidade do contrato de arrendamento por ilegitimidade dos recorrentes constitui um abuso de direito. Nesta conformidade, ainda que se adoptasse a perspectiva da invalidade do contrato de arrendamento por ilegitimidade do senhorio, não se deveria ter tomado em consideração tal perspectiva por constituir um evidente abuso de direito.
Ademais, assinalou o Tribunal Colectivo que, nos recursos interpostos para o TSI, tanto os ora recorrentes como as recorridas impugnavam a decisão que recaiu sobre matéria de facto, porém, o TSI não se pronunciou, de forma qualquer, sobre a referida impugnação. Nos termos do disposto nos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil de Macau, o TUI foi impedido de apreciar a impugnação que recaiu sobre a matéria de facto, necessária seria a remessa dos presentes autos ao TSI para, nada mais obstando, aí se conhecer das demais questões suscitadas nos recursos apresentados, excluída a da nulidade do contrato de arrendamento.
Nos termos expostos, em conferência, acordaram conceder provimento ao recurso, devolvendo-se os autos ao TSI para os exactos termos consignados.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 90/2021.