No dia 20 de Março de 2013, por cerca das 21h20, o arguido conduzia um veículo ligeiro, transportando a sua esposa, pela faixa de trânsito da esquerda da Ponte da Amizade, em direcção à Estrada de Pac On da Taipa. Quando a viatura se aproximava do viaduto de acesso do lado da Taipa, o arguido perdeu, repentinamente, a consciência, devido a uma crise súbita de epilepsia, o que fez com que o automóvel, por si conduzido, perdesse o controlo e se desviasse para o lado esquerdo do tabuleiro, raspando a fileira de barras da parede direita do lado esquerdo da ponte. A sua esposa viu que o corpo do arguido começava a tornar-se rígido e a perder a sensibilidade, enquanto o seu pé se mantinha, firmemente, no pedal do acelerador. Assim, tentou, imediatamente, desligar o motor, travar o carro e tomar o controlo do volante, mas tal não conseguiu. O veículo continuou a ganhar velocidade e embateu em 16 postes de sinalização flexíveis, instalados na linha contínua no meio da via, antes de entrar na Estrada de Pac On da Taipa e embateu em dois veículos ligeiros que seguiam à sua frente, fazendo com que um deles perdesse o controlo e se virasse em sentido oposto. O veículo do arguido só parou depois de ter invadido a berma. O supra referido embate causou lesões ao arguido, à sua mulher, bem como ao condutor (1º ofendido) e a um passageiro (2º ofendido) do dito veículo embatido que perdera o controlo. Na sequência deste acidente, o 1º ofendido sofreu fractura da sexta coluna torácica e fractura do osso nasal, com recuperação previsível no período de 5 meses; e o 2º ofendido sofreu contusões e rompimentos nos tecidos moles do maxilar inferior direito e contusões nos tecidos moles do pescoço, lesões que precisavam de 60 dias de convalescença. Por conseguinte, ao arguido foi imputada a prática, em autoria material e em concurso, de 2 crimes de ofensas à integridade física por negligência, previstos e punidos pelo artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal, conjugado com o artigo 14.º, al. a), do mesmo Código e artigos 93.º, n.º 1, e 94.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário. Realizado o julgamento, o Tribunal Judicial de Base absolveu o arguido dos dois crimes que lhe eram imputados, mas condenou-o a pagar aos 1º e 2º ofendidos, a título de indemnização por danos não patrimoniais, 75.000 patacas e 10.000 patacas, respectivamente.
Inconformado, o Ministério Público recorreu da atrás mencionada decisão de absolvição, para o Tribunal de Segunda Instância, por entender que tal decisão padecia de contradição insanável de fundamentação e de erro notório na apreciação da prova, e violava o disposto no artigo 114.º do Código de Processo Penal.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu do processo. O Tribunal Colectivo manifestou plena concordância com o entendimento do Procurador-Adjunto, expresso no seu Parecer, que ia no sentido de que a questão-chave do caso em apreço estava em saber se o arguido agira com culpa subjectiva ao causar lesões aos dois ofendidos quando conduzia o veículo na via pública e de que o núcleo dessa questão residia em saber se o mesmo conduziu a viatura, apesar de estar ciente de que ele não se adequava ou mesmo não se encontrar nas condições físicas e psíquicas à condução. A lei vigente de Macau, sobretudo a Lei de Trânsito Rodoviário, não regula de forma alguma as habilitações de condução dos epilépticos. Tendo sofrido a doença há quase 20 anos, o arguido é um epiléptico dependente do tratamento de medicamentos. Segundo o arguido, teve uma crise súbita no momento da ocorrência do facto; a primeira crise ocorreu no Canadá, quando ele tinha 19 ou 20 anos de idade; desde então, tem-se submetido aos tratamentos e também tem conduzido, sem que tivesse sido informado por médico ou pela autoridade de que não podia conduzir ou não se adequava à condução. Nos termos do artigo 15.º, n.º 2, da Lei de Trânsito Rodoviário, o condutor deve abster-se de conduzir se não se encontrar nas devidas condições físicas ou psíquicas. Os epilépticos são, indubitavelmente, diferentes das outras pessoas em termos das habilitações e capacidade de conduzir. No entanto, o arguido há muito que possui carta de condução e conduz, tanto no Canadá, como em Macau, desde há muito tempo. Nunca lhe ocorreram acidentes similares, nem teve crises epilépticas durante a condução. Além disso, as provas produzidas mostram que as crises só ocorreram quando o arguido estava a dormir; e não há nos autos qualquer indício de ele ter ocultado a sua doença para obter a carta de condução, ou ter conduzido, apesar das advertências da autoridade competente ou de médico sobre o eventual perigo. De acordo com o princípio in dubio pro reo, não deve ser dada como provada a culpa subjectiva do arguido. O recurso do Ministério Público é, portanto, improcedente.
Face ao exposto, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Cfr. Acórdão do TSI, Processo n.º 119/2017.