Em 2023, o Tribunal Judicial de Base condenou os arguidos A e B pela prática em co-autoria material de 1 crime de tráfico ilícito de estupefacientes, na pena individual de 9 anos de prisão. Não conformados, os dois arguidos recorreram para o Tribunal de Segunda Instância que, tendo apreciado o caso, negou provimento aos recursos.
Ainda inconformados, A e B recorreram para o Tribunal de Última Instância da decisão do TSI. Os dois recorrentes alegaram que desconheciam que as garrafas de vinho tinto que trouxeram para Macau continham cocaína, portanto, o Tribunal não devia dar como provados o seu dolo e a consciência da ilicitude quanto ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes pelo qual foram condenados.
O TUI conheceu do caso.
O Tribunal Colectivo do TUI indicou que, o crime de tráfico ilícito de estupefacientes, previsto pelo art.º 8.º da Lei n.º 17/2009, tem sido englobado na categoria do “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido”, sendo caracterizado como um ilícito penal que se consuma com o preenchimento de um único acto conducente ao resultado previsto no seu tipo. A previsão molda-se no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados na norma que podem ir de uma mera detenção à venda própria. Pelo que, a “consumação” do crime de tráfico ilícito de estupefacientes verifica-se com a comissão de “um só acto de execução”, ainda que sem se chegar à realização completa e/ou integral do tipo legal pretendido pelo agente, ou seja, o resultado típico obtém-se logo pela realização inicial da conduta ilícita, de modo que, a eventual continuação da mesma, mesmo que com propósitos diversos do originário, não se traduz, necessariamente, na comissão de novas violações do respectivo tipo legal, sendo pois um “crime de trato sucessivo”. Trata-se, pois, de um crime que se enquadra na categoria dos “crimes de perigo abstracto”, visto que não pressupõem nem o dano, nem o perigo de lesão de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, bastando apenas a perigosidade da acção para os bens jurídicos protegidos, sendo cada uma das “actividades” previstas no art.º 8.º da Lei n.º 17/2009 dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime. Destarte, a consumação do crime de tráfico ilícito de estupefacientes não depende da existência de um dano real e efectivo, mas sim se verifica com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido. No que diz respeito à existência ou não do dolo dos recorrentes, o Colectivo assinalou que, o dolo previsto pelo art.º 13.º do Código Penal compreende o elemento volitivo e o elemento intelectual, isto é, o dolo evidencia-se quando o agente actua com intenção e o facto por este realizado preenche um tipo de crime. In casu, atento ao que se provou, os recorrentes foram “recrutados” por indivíduos desconhecidos que conheceram por mero acaso para transportar para Macau 18 garrafas de vinho tinto contendo no seu interior um total de 14.661g de cocaína, auferindo a título de retribuição uma quantia de HKD5.000,00 cada. O Colectivo entendeu que, não basta meramente alegar que não sabiam da substância contida nas ditas garrafas para concluir que foi inadequada a decisão condenatória proferida pelo Tribunal Judicial de Base, que já foi confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância, aos mesmos recorrentes cabe, também, em face da prova recolhida e produzida, esclarecer o seu alegado “erro” em que incorreram quanto à natureza do “produto” com o qual foram interceptados à sua chegada ao aeroporto de Macau. Na verdade, nos dias de hoje, qualquer maior normal sabe que não se deve ajudar outrem a transportar esses objectos sem previamente se certificar da sua origem e natureza, especialmente, bebidas alcoólicas em tão grande quantidade que requerem autorização na passagem transfronteiriça. Não se pode ignorar que os dois recorrentes estavam a ser pagos para transportar produtos ilícitos e proibidos, que podiam perfeitamente conter substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, tendo-se, mesmo assim, conformado com tal situação e com o resultado da sua conduta.
Face ao exposto, acordaram no Tribunal Colectivo do TUI em negar provimento aos recursos e confirmar a decisão do TSI.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância no Processo n.º 46/2024.