No dia 30 de Abril de 2016, B conduzia o veículo na via de trânsito à esquerda, enquanto na via de trânsito à direita da mesma direcção circulava outro veículo. Quando B se aproximava da intersecção das duas vias públicas, o semáforo apresentava a luz verde, pelo que B seguiu à velocidade original e preparava-se para ultrapassar a passagem para peões, sem abrandar a velocidade do veículo perante essa circunstância especial da existência de uma passagem para peões à sua frente. Ao mesmo tempo, C correu da direita para a esquerda para atravessar a passagem para peões, e o lugar onde C atravessou estava dentro do campo de visibilidade de B e o semáforo indicava luz vermelha para peões. O condutor que circulava na via de trânsito à direita reduziu imediatamente a velocidade para permitir que A atravessasse a passagem para peões com segurança, enquanto B conduziu o veículo e embateu em C. O acidente de viação causou ferimentos a C, que necessitou de um mês para se recuperar.
Após o julgamento, o Tribunal Judicial de Base condenou B pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, na pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e três meses, e na inibição de condução pelo período de seis meses. Em relação ao pedido de indemnização civil deduzido por C, o Tribunal Judicial de Base condenou a Companhia de Seguros A a pagar a C a quantia de MOP602.714,25, com os juros legais, bem como a eventual indemnização por perdas em despesas médicas, medicamentosas e de transporte resultantes do acidente de viação em causa.
Inconformado com a referida decisão cível, C recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. O Tribunal de Segunda Instância considerou que era manifestamente desadequada a decisão do Tribunal Judicial de Base, que concluíra que C tinha uma responsabilidade civil de 75% pela ocorrência do acidente de viação, devendo ser corrigida; e a pretensão formulada por C de assumir 10% da responsabilidade civil deve ser sustentada. Portanto, o Tribunal deu provimento ao recurso, passando a condenar B a assumir 90% da responsabilidade civil.
Inconformados, recorreram B e a Companhia de Seguros A para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância conheceu do caso. O Tribunal Colectivo indicou que tanto B como C tinham culpa pela ocorrência do acidente de viação em causa. No caso sub judice, quando C atravessou a passagem para peões dentro do campo de visibilidade de B, este devia ter reparado na situação; mesmo que a visibilidade de B estivesse obstruída e não reparasse na presença de C, do ponto de vista de um condutor com prudência normal, devia ter notado que o veículo que circulava na sua via de trânsito à direita já abrandara a velocidade e ter tido a sensação de que podia estar alguém a atravessar a passagem para peões, diminuindo, assim, a velocidade e até travando, para permitir a passagem do peão em segurança. O facto de B não ter ajustado e abrandado a velocidade do seu veículo em função das condições do pavimento provocou o acidente de viação, devendo, sem dúvida, ser responsável pela ocorrência do acidente. Por outro lado, embora C tivesse apenas 8 anos de idade na altura do acidente, a verdade é que as crianças desta faixa etária já têm o senso comum de só poder atravessar a passagem para peões quando a sinalização luminosa apresenta luz verde para peões.C também é culpado pela ocorrência do acidente de viação em causa, uma vez que na altura do acidente, correu para atravessar a passagem para peões quando o semáforo apresentava luz vermelha para peões e não reparou que se aproximavam veículos. O Tribunal Colectivo indicou que, num local assinalado para a travessia de peões (com o trânsito regulado por sinalização luminosa ou por agentes), alguém autorizado a avançar (seja um peão, seja um condutor) acredita normalmente que a outra parte vai parar e que lhe permite passar primeiro, por conseguinte, deve considerar-se que a pessoa proibida de avançar tem uma maior obrigação de cumprir as regras de trânsito a que estão sujeitas. Ponderadas todas as circunstâncias dos autos, entende o Tribunal Colectivo que era adequado fixar a percentagem de culpa de C em 75% e a de B em 25%.
Quanto à questão da aplicação da lei, a Companhia de Seguros A alegou que no acórdão recorrido, não deviam ser aplicadas as regras relativas à culpa, nos termos do artigo 480.º do Código Civil, mas sim a norma relativa à responsabilidade pelo risco, nos termos do artigo 498.º do Código Civil. A este respeito, o Tribunal Colectivo indicou que ambas as partes violaram as regras de trânsito rodoviário, sendo culpadas pela ocorrência do acidente de viação, pelo que não se coloca a questão da responsabilidade pelo risco. Quanto ao argumento de B de que o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 481.º do Código Civil, o Tribunal Colectivo entende que, embora o acórdão recorrido mencionasse o artigo 481.º do Código Civil, indicou expressamente que C já tinha maior de 8 anos de idade e não pertencia à categoria de pessoas incapacitadas, tal como estipulado no artigo 481.º do Código Civil, pelo que concordou com a conclusão do Tribunal Judicial de Base no sentido de que C deve assumir parte da responsabilidade civil com base no facto de correr para atravessar a passadeira no momento do acidente de viação, quando o semáforo apresentava luz vermelha para peões. No acórdão recorrido, não se aplicou o disposto no artigo 481.º do Código Civil, pelo que não se colocava a questão da violação desta disposição legal.
Face ao exposto, acordam em julgar procedentes os recursos interpostos pelos 1.º demandado civil B e 2.ª demandada civil, ora Companhia de Seguros A, revogando o acórdão recorrido e mantendo a proporção de culpa fixada pelo Tribunal Judicial de Base.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 97/2023.