Depois do jantar, A, B, C, D e E deslocavam-se ao auto-silo e, na altura, A e B entraram em disputa. A ralhou a B com linguagem abusiva e grosseira e, em seguida, apertou o pescoço do mesmo, causando-lhe dificuldade em respirar. B desferiu logo um soco no lado esquerdo do rosto de A, o que desencadeou a perda do equilíbrio e consequente queda de A. A sofreu hemorragia no metencéfalo por ter batido na calçada de pedra, e logo se desmaiou. Reparada a situação, B abandonou o local em causa. C apresentou queixa à polícia, pedindo pelo auxílio.
Findo o julgamento, o Tribunal Judicial de Base condenou o arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.º 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, e no pagamento duma quantia global de MOP$2.000,00 a B, a título de indemnização por danos patrimoniais e morais; e o arguido B, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado, p. e p. pelo art.º 139.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e no pagamento duma quantia global de MOP$476.616,00 a A, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. Inconformado, B recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.
O TSI conheceu do caso. De antemão, no recurso em matéria penal, relativamente à questão de saber se à conduta ofensiva do recorrente era ou não aplicável o regime de legítima defesa, o Tribunal Colectivo assinalou que o acto praticado por A contra B era uma agressão actual e também uma ofensa persistente que causasse perigo de vida a que B ficasse sujeito, portanto, o soco desferido por B contra A não só servia para se defender a si mesmo, assim como, evidentemente, para eliminar a ameaça de vida. Entendeu o Tribunal Colectivo que, em estado calmo e de acordo com as regras da experiência comum, a conduta de B não era uma reacção mais idónea, contudo, não se podia exigir a uma pessoa normal que, em circunstâncias especiais, reagisse como uma pessoa calma. Por cima, o acto praticado por B não causou directamente ofensa grave a A. Sem dúvida, nessas circunstâncias especiais, a conduta ofensiva em apreço podia ser entendida como medida idónea para eliminar o perigo emergente da agressão actual e persistente sofrida por B, sendo esta uma legítima defesa e não um excesso de legítima defesa. Deste modo, foi concedido provimento ao recurso em matéria penal interposto pelo recorrente, sendo o mesmo absolvido do crime que lhe tinha sido imputado.
No recurso em matéria civil, quanto à questão de saber se o recorrente, ainda que penalmente absolvido, tinha ou não de assumir a responsabilidade de indemnização civil, o Tribunal Colectivo entendeu que as responsabilidades penal e civil podiam ser apreciadas separadamente. A sentença penal absolutória não determinava evidentemente a irresponsabilidade civil do agente, uma vez que isto dependia do apuramento dos requisitos que determinassem a responsabilidade civil. Dos factos assentes se vislumbra que o recorrente, depois de ter concluído o acto de defesa e causado queda e coma ao ofendido, continuou a abandonar o local em causa e não prestou salvamento ao ofendido que se encontrava em perigo de vida proveniente do aludido acto, violando, assim, o dever jurídico de agir e não agiu. Apesar da conduta do recorrente possuir factor de exclusão de ilicitude da legítima defesa, as condições da defesa foram terminadas, a par disso, o acto de defesa, ainda que tivesse impedido o perigo causado ao recorrente, pôs o objecto da defesa em perigo e até perigo de vida. Assim, o recorrente violou o dever jurídico de agir pela sua omissão. Atendendo às circunstâncias do caso e tendo em conta que os danos provocados pela omissão do recorrente eram resultados do acto praticado pelo agente em estado subjectivo e deliberado, concluiu o Tribunal Colectivo que o quantum fixado, pelo Tribunal a quo, a título de indemnização por danos morais, deveria ser mantido.
Nos termos expostos, acordaram no TSI em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo recorrente, revogando a parte penal da sentença a quo, absolvendo o recorrente do crime que lhe foi imputado; e em negar provimento ao recurso em matéria civil, sustentando a decisão a quo.
Cfr. o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 937/2019.