A é contabilista registada na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas, e, por deliberação da mesma Comissão, de 17 de Abril de 2015, foi deferido e iniciado, nos termos legais, o procedimento do estágio para o registo como auditor de contas. Tendo concluído o estágio, A foi notificada pela Comissão da prestação de prova da qualificação profissional, com advertência expressa de que a falta de participação na prestação de prova marcada conduziria à extinção do seu requerimento de registo, finalmente, ela não participou na prestação dos exames escritos, marcados nos anos 2017 e 2018. Em 26 de Março de 2021, A inscreveu-se, na qualidade de contabilista registada e de candidata a auditora de contas, nos cursos especiais sobre auditoria, ministrados pela Comissão Profissional dos Contabilistas e seguidamente, obteve aprovação nas correspondentes avaliações. Posteriormente, em 23 de Julho do mesmo ano, A requereu a emissão da licença para o exercício da profissão de contabilista, nos termos previstos na Lei n.º 20/2020 que recentemente entrara em vigor. Todavia, o dito requerimento foi indeferido pela Comissão, com fundamento na falta do preenchimento do requisito previsto no artigo 15.º, n.º 1, alínea 4) da Lei n.º 20/2020.
Em 28 de Setembro de 2021, A deduziu resurso para o plenário da Comissão, o qual mereceu provimento parcial, com fundamento na verificação do vício de preterição da audiência do interessado. Após a sanação do procedimento de audiência, em 19 de Novembro do mesmo ano, a Comissão em apreço manteve a decisão de indeferimento. Em 29 de Dezembro de 2021, A deduziu novamente recurso que, porém, não mereceu provimento pela deliberação da Comissão de 26 Janeiro de 2022. Inconformada, A intentou no Tribunal Administrativo uma acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, pedindo a condenação da Comissão Profissional dos Contabilistas na emissão da licença a A para o exercício da profissão de contabilista habilitado.
Findo o julgamento, o TA apontou que da interpretação e aplicação rigorosamente literal do n.º 1 do art.º 100.º da Lei n.º 20/2020 resultaria desigualdade manifesta, pelo que deveria adoptar-se a interpretação restritiva da norma, restringindo o seu âmbito de aplicação, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei e ao princípio de igualdade. No caso vertente, embora A tenha concluído o estágio profissional, o período entre a data da conclusão desse estágio e a da apresentação do pedido foi superior a cinco anos e sete meses, ultrapassando o período de validade de três anos previsto no artigo 15.º, n.º 1, alínea 4) da mesma Lei. A diferença entre A e os outros profissionais na preparação profissional não justificava o seu tratamento largamente mais favorável em consequência da aplicação da equivalência concedida pelo disposto no artigo 100.º, n.º 1 da Lei n.º 20/2020, por conseguinte, a situação dela deveria ser excluída do âmbito da aplicação da aludida disposição. Assim sendo, o Tribunal a quo acabou por julgar improcedente a acção.
Inconformada, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, considerando que o Tribunal a quo cometeu erro na aplicação da lei.
O Colectivo do TSI conheceu do caso, afirmando que a situação de A era enquadrada conjuntamente pelo disposto no n.º 1 do artigo 97.º e pelo disposto no n.º 1 do artigo 100.º, ambos da Lei n.º 20/2020, já que se encontrava numa situação transitória entre o antigo regime e o novo regime. As disposições transitórias dos artigos 93.º a 102.º da Lei em apreço visam acomodar ao novo regime jurídico da profissão de contabilista por ela introduzido as situações resultantes do direito pretérito, à luz do qual existiam duas profissões: a de contabilista, regulada pelo Estatuto dos Contabilistas Registados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/99/M, de 1 de Novembro de 1999, e a de auditor de contas, que encontrava a sua regulação nos termos do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro de 1999. A pretendia prevalecer o facto de, antes da entrada em vigor da Lei n.º 20/2020, ter sido candidata a auditora de contas. Quanto a isto, o Tribunal Colectivo assinalou que, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 100.º da supracitada lei, a interessada só poderia obter a licença para o exercício da profissão quando tivesse prestado provas e nelas fosse aprovada (ou, então, se fosse dispensada dessa prestação pela Comissão). Não obsta o facto de A já ser contabilista inscrita na medida em que essa inscrição não obedeceu ao critério do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3), antes resultou da norma transitória do n.º 1 do artigo 97.º da lei supracitada. Com esta fundamentação, o Tribunal Colectivo julgou nitidamente improcedente o recurso, devendo a decisão do Tribunal a quo ser confirmada.
Cfr. o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 591/2024.