Em 2013, A teve conhecimento, através de um amigo, do terreno CN2c situado em Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká Hó e ficou interessado no terreno, tendo então marcado encontro com C, administrador da Empresa B. C disse a A que a Empresa B possuía os direitos resultantes da concessão de tal terreno e a Empresa B tinha celebrado um contrato de concessão com o Governo, bem como tinha pagado o prémio e apresentado a garantia bancária. Naquela altura, a empresa encontrava-se à espera da publicação do respectivo despacho no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau. Ao mesmo tempo, C forneceu a A os documentos relativos ao plano do Governo de concessão do terreno em 2006. Posteriormente, A e C assinaram um acordo de compromisso, concordando em obter os direitos resultantes da concessão do terreno CN2c mediante a aquisição, em prestações, de 100% das acções da Empresa B, por outro lado, C prometeu demitir todos os administradores quando A obtivesse 51% da empresa e nomear A ou a pessoa designada por A como administrador para gerir todas as atividades da empresa. No mesmo ano, A e C assinaram um contrato de transmissão de acções, pelo qual A pagou a C HKD372.000.000,00 como pagamento das primeiras três prestações. Após a celebração do contrato de transmissão de acções, o advogado de A dirigiu-se à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes para consultar o processo e descobriu que a Empresa B nunca obtivera os direitos resultantes da concessão de tal terreno, na verdade, o processo de concessão do terreno tinha sido suspenso. O advogado suspeitou que o seu cliente A tinha sido enganado, pelo que apresentou denúncia ao Ministério Público. C foi acusado da prática de um “crime de burla” previsto e punido pelo artigo 211.º, n.º 4, al. a) do Código Penal e foi submetido a julgamento no Tribunal Judicial de Base. Em 4 de Março de 2022, apreciado o caso, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base absolveu C do crime que lhe foi imputado. A, como assistente, não se conformou com o decidido, entendendo que o Tribunal Judicial de Base errara notoriamente na apreciação da prova e, por isso, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso. O Tribunal Colectivo apontou que, de acordo com as informações constantes dos autos, a Empresa B possuía originalmente a concessão dum terreno de finalidade industrial junto à Avenida Son On na Zona Industrial do Pac On, Taipa. Em 2006, o Governo decidiu trocar o terreno CN2c pelo terreno acima mencionado. A Empresa B negociou com o Governo sobre os termos do contrato de substituição de terrenos. Posteriormente, a Empresa B apresentou uma declaração de aceitação e pagou o prémio e a caução. Apontou o Tribunal Colectivo que a situação do lote CN2c foi descrita com veracidade no acordo de compromisso. Quanto ao facto de C não ter informado A do plano do Governo relativo à substituição do terreno CN2c por outro terreno, o Tribunal Colectivo considerou que, com base na memória descritiva da DSSOPT e nos depoimentos testemunhais, o Governo fez a referida proposta em reunião, mas C a rejeitou. O Governo não deu seguimento ao caso, nem cancelou a decisão de conceder o terreno CN2c. Após a reunião, ninguém tinha certeza se o terreno CN2c não seria concedido à Empresa B. Daí se constata que a situação do terreno de CN2c em nada se alterou, não há o facto de C ter usado truques e ocultado deliberadamente a situação de tal terreno.
Além disso, no entender de A, C modificou o estatuto da sociedade comercial antes da transmissão de acções, o que resultou em que A não tem todo o poder para administrar a empresa, mesmo depois de se tornar administrador por ter adquirido 51% do capital. Tal facto causou a A uma perda de HKD372.000.000,00. A este respeito, o Tribunal Colectivo referiu que, segundo a declaração de C e o acordo de compromisso, o objectivo de A era obter o lote CN2c e não desenvolver a Empresa B. Mesmo que o poder de A, de administração da empresa, fosse enfraquecido, isso não afectará o direito da Empresa B de obter a concessão do terreno CN2c. Ainda, como accionista que detém 51% do capital, A pode corrigir o comportamento de C através do exercício dos seus direitos de accionista.
Na óptica do Tribunal Colectivo, o Tribunal Judicial de Base analisoutodas as provas de forma objectiva, global e crítica na audiência de julgamento e apreciou os factos da acusação com base no princípio da livre apreciação da prova, sem violar as regras da experiência comum, o senso comum, as regras do valor da prova e as regras deontológicas. O Tribunal a quo não cometeu nenhum erro na apreciação da prova.
Nos termos expostos, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso, mantendo a sentença do Tribunal Judicial de Base.
Cfr. Acórdão proferido no processo n.º 353/2022 do Tribunal de Segunda Instância.