Um croupier que, em conluio com os jogadores, burlou o casino em mais de dois milhões de dólares de Hong Kong, foi condenado pelo Tribunal de Última Instância na pena de 4 anos e 3 meses de prisão
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
2023-07-11 17:15
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A, B, C, D, E e F, de comum acordo e em divisão de tarefas, planearam que, aproveitando o cargo de croupier que B exercia no casino X da sociedade G, A, C e D ou F iriam jogar, sucessivamente, na mesa de jogo de B, e quando não houvesse outros jogadores nessa mesa, iriam apostar e só colocar as fichas na mesa depois de B ter anunciado o resultado do jogo, e B pagaria os prémios como se as respectivas apostas tivessem sido regularmente feitas. Desta forma, os referidos indivíduos enganaram o casino, levando-o a crer, equivocadamente, que eram regulares e legais as referidas apostas, às quais devia pagar prémios, e B, em conjunto com A, C e D ou F, apropriaram-se ilegitimamente de fichas de valor consideravelmente elevado, entregues a B pelo casino por força do seu cargo de croupier. Era E responsável por efectuar comunicações e dar instruções ao grupo criado por ele no Wechat, bem como distribuir proporcionalmente o dinheiro obtido. A sociedade G sofreu um prejuízo no valor total de HKD2.180.000,00. Após o julgamento, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou A, B, C, D e E, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de 6 crimes de peculato, p. p. pelo art.º 340.º, n.º 1 do CPM, respectivamente, e em cúmulo jurídico, nas penas de 4 anos, 4 anos e 6 meses, 3 anos, 4 anos, e 4 anos e 6 meses de prisão efectiva; e condenou F, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de 1 crime de peculato, p. p. pelo art.º 340.º, n.º 1 do CPM, na pena de 9 meses de prisão efectiva. Além disso, foram os réus condenados no pagamento solidário da quantia indemnizatória especificada no acórdão a favor da sociedade G.

Inconformados com o assim decidido, A e B recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. O TSI julgou parcialmente procedentes os recursos, entendendo, porém, que as condutas dos réus constituíram o crime de burla qualificada, e não o de peculato, pelo que passou a condenar A, B, C, D e E, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de 5 crimes de burla qualificada (de valor consideravelmente elevado), p. p. pelo art.º 211.º, n.º 1 e n.º 4 . al. a) do CPM, e pela prática em co-autoria material e na forma tentada de 1 crime de burla qualificada (de valor elevado), p. p. pelo art.º 211.º, n.º 1 e n.º 3 do CPM, respectivamente, e em cúmulo jurídico, nas penas de 3 anos e 9 meses, 4 anos e 3 meses, 2 anos e 9 meses, 3 anos e 9 meses, e 4 anos e 3 meses de prisão efectiva; bem como condenar F, pela prática em co-autoria material e na forma tentada, de 1 crime de burla qualificada (de valor elevado), p. p. pelo art.º 211.º, n.º 1 e n.º 3 do CPM, na pena de 7 meses de prisão efectiva.

Inconformado com a qualificação jurídica do crime de burla qualificada (de valor consideravelmente elevado) feita pelo TSI, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Última Instância, pugnando pela condenação dos réus pela prática do crime de abuso de confiança (de valor consideravelmente elevado), e ao mesmo tempo, impugnando a medida da pena determinada pelo TSI.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso, indicando que, diferentes são os requisitos constitutivos dos crimes de abuso de confiança e de burla. No primeiro crime, o agente, sabendo bem que eram alheios os bens que lhe tinham sido entregues de forma legítima, ainda assim apropriou-se do direito sobre os bens como se deles fosse o proprietário; enquanto no último, é de crucial importância o acto de determinar outrem à entrega dos bens por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou. No caso sub judice, B, na qualidade de croupier do casino, não entregou directamente aos outros réus as fichas que lhe tinham sido entregues previamente pela sociedade G, mas só as entregou, por meio de pagamento de prémios, aos respectivos réus depois de estes, em conluio, fingirem apostar no jogo e vencerem. Dito por outras palavras, B não mudou da forma como obteve as fichas (a sociedade G entregou as fichas, por título não translativo da propriedade, a B que apenas as deteve temporariamente), nem alterou o objectivo e a finalidade da entrega a ele das fichas por parte da sociedade G, e, depois de ter recebido as fichas, não as entregou aos réus em causa como se fosse proprietário (animus), mas sim, ao contrário, procedeu à entrega por meio de pagamento de prémios do jogo com a consciência de que as fichas pertenciam à sociedade G. Mesmo que B, em virtude do seu cargo exercido, “adquirisse legalmente a posse” das fichas entregues pela sociedade G, não se apropriou directamente das fichas, ao invés, agiu, em conjugação de intenções e esforços com os outros réus, e, recorrendo à “astúcia”, deixou-os obter as fichas por meio que parecia “legítimo” e trocá-las por numerário, parte do qual foi pago a B como remuneração. Quer dizer, entre a entrega das fichas a B e a recepção de parte do numerário como remuneração, inquestionável se apresenta a existência e importância da “astúcia”. Por isso, os actos dos réus reuniram os requisitos constitutivos do crime de burla.

Por fim, quanto à medida da pena, indicou o TUI que, embora o crime de burla qualificada (de valor consideravelmente elevado) seja punível com pena mais pesada do que o crime de peculato, foram interpostos recursos para o TSI somente pelos réus, pelo que não merece censura a decisão do TSI que, atendendo ao princípio da proibição de reformatio in pejus, manteve as penas aplicadas pelo TJB.

Face ao exposto, acordaram no Tribunal Colectivo do TUI em negar provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 43/2023.

 


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