TSI: O aproveitamento do contrato usurário para a prática de burla não prejudica a constituição do crime de burla
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
2022-11-30 17:11
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No início de Dezembro de 2018, e no Interior da China, A, B, C e D discutiram um plano de pedidos de empréstimo, por meio de combinação de fichas, aos indivíduos que se dedicam às actividades de usura em Macau, aliciando outrem para lhes emprestar dinheiro para jogo, e depois, aproveitar a ocasião para o desfalcar. Em 29 de Dezembro de 2018, os 4 indivíduos supracitados entraram em Macau, e E auxiliou-os a alojarem-se no hotel. Pelas 3 horas da tarde do mesmo dia, C contactou o ofendido F alegando que tinha um cliente que precisava de combinar fichas para jogo. F e D discutiram as condições da combinação, e F alegou que podia fornecer fichas no valor de HKD1.000.000,00 e aumentar o capital de jogo para HKD2.000.000,00, sob as condições de D lhe entregar previamente HKD1.000.000,00, de pagar 10% do valor das apostas, como juros, sempre que vencesse um jogo, e de D ter de assinar o recibo de empréstimo. D e F acabaram por chegar a acordo. Os subordinados de F, ou seja G e H, levaram C e D a um clube VIP para jogar, e na altura, A, B e E já chegaram ao clube e fingiram que não se conheciam. No referido clube, C entregou HKD1.000.000,00 em numerário a G, que por sua vez, seguindo as instruções dadas por F, levantou da tesouraria do clube fichas no valor de HKD1.900.000,00 e as entregou a D para jogar. Durante o jogo, C acompanhou D na colocação das apostas, e A, B e E ficaram ao lado de vigia, enquanto G retirava fichas como juros conforme o acordo de empréstimo. C e D aproveitaram, separadamente e por várias vezes, a desatenção de G para esconder uma pequena quantidade de fichas e entregá-las a A. Depois, C e D, com o pretexto de ir a casa de banho, entregaram essas fichas escondidas a B. Mais tarde, G apercebeu-se de que algo estava errado e descortinou o caso. Após o julgamento, o Tribunal Judicial de Base absolveu A, B, C, D e E da prática dum crime de burla, p. p. pelo art.º 211.º, n.º 4, al. a) do CPM. Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso.

Indicou o Tribunal Colectivo que, no entendimento do TJB, F concedeu a D empréstimo para jogo, com o objectivo de obter para si vantagens patrimoniais ilícitas, pelo que as condutas de F constituíram o crime de usura para jogo, p. p. pelo art.º 13.º, n.º 1 da Lei n.º 8/96/M. E, ao mesmo tempo, o n.º 3 do mesmo artigo dispõe que “a conduta do mutuário não é punível”, assim sendo, as condutas de burla praticadas por D na qualidade de mutuário não são puníveis, pelo que foram os cinco arguidos absolvidos do crime de burla de valor consideravelmente elevado. O Tribunal Colectivo concordou com o parecer do MP, entendendo que, a interpretação correcta do disposto no n.º 3 do art.º 13.º da Lei n.º 8/96/M é que o mutuário não será criminalmente responsabilizado pela relação jurídica de mútuo estabelecida com os outros, no entanto, tal qualidade impunível só existe na relação jurídica de mútuo, quer dizer, se, durante o estabelecimento dessa relação jurídica, o mutuário estabelecer outras relações jurídicas ou realizar outros negócios jurídicos, diferente será a situação. No caso sub judice, o mutuário aproveitou a constituição do contrato usurário para a prática de burla, e são dois crimes autónomos o “crime de usura para jogo” e o “crime de burla”, que podem ser verificados em simultâneo. O ofendido no “crime de usura para jogo” pode ser o autor no “crime de burla”, e vice-versa, e as chamadas condutas do arguido no “crime de burla” não prejudicam a sua constituição.

Pelo exposto, o Tribunal Colectivo do TSI concedeu provimento ao recurso do MP, passando a condenar A, B, C e D pela prática, em co-autoria e na forma consumada, dum crime de burla, p. p. pelo art.º 211.º, n.º 4, al. a) do CPM, nas penas individuais de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por 3 anos. Por outro lado, por não ser apurada a participação concreta de E nos referidos actos ilegais, decidiu manter a sua absolvição determinada pelo TJB.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 1068/2020.

 


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