A é uma companhia promotora de jogos, constituída em Abril de 2006. Em 2005 e 2006, foram contraídas duas obrigações por C, perante B, sendo este sócio da companhia A, no valor, respectivamente, de HKD$25.000.000,00 e de HKD$22.000.000,00. Em 23 de Setembro de 2008, foi atribuída a B uma licença de promotor de jogos (pessoa singular), e em 1 de Maio de 2010, este celebrou também contratos de autorização da concessão de crédito e de promoção de jogos com a Sociedade de Jogos de Macau, S.A. Posteriormente, por acordo de 29 de Dezembro de 2010, C aceitou que as quantias referidas, concedidas por B, fossem pagas à companhia A, mas não efectuou o pagamento. Assim, a companhia A intentou uma acção de execução contra C de cobrança da dívida, para o Tribunal Judicial de Base (TJB), que conheceu da causa e julgou procedentes os embargos deduzidos por C. Inconformada, a companhia A recorreu da sentença do TJB para o Tribunal de Segunda Instância (TSI). Após julgamento, o TSI revogou a sentença recorrida, julgando improcedentes os aludidos embargos deduzidos por C e ordenando o prosseguimento da execução.
Inconformado, C recorreu do Acórdão do TSI para o Tribunal de Última Instância (TUI).
O TUI conheceu do caso. O Tribunal Colectivo indicou que, neste caso, há uma relação material triangular entre a companhia A, B e C, na qual figura B como concedente do crédito. Tal “triangulação” não se afigura constituir motivo algum que obste ao normal prosseguimento da execução instaurada, porém, há a considerar, que sendo a questão a resolver a da licitude da dívida, esta tem de ser apreciada tendo em conta o momento da sua constituição (em 2005 e 2006). Como o concedente do crédito para jogo B só obteve a licença de promotor de jogo em 2008, sendo esta uma das qualidades para se ficar habilitado a exercer a actividade de concessão de crédito para jogo (nos termos do art.° 3.°, n.° 2, da Lei n.° 5/2004 - Regime jurídico da concessão de crédito para jogo ou para aposta em casino), evidente se apresenta concluir que a concessão de crédito para jogo em causa não respeitou os necessários requisitos nesta Lei previstos.
O estatuído no art.° 4.° da Lei n.° 5/2004 prescreve: “Da concessão de crédito exercida ao abrigo da presente lei emergem obrigações civis”. Assim, o Tribunal Colectivo entendeu que da concessão de crédito referida nos presentes autos não emergem obrigações civis, porque efectuada ao arrepio da dita Lei, apenas tendo lugar uma obrigação natural, à qual se aplica o regime legal que lhe é próprio e cuja noção é dada pelo art.° 396.° do Código Civil de Macau, onde se preceitua: “A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.” Nesta conformidade, constituindo um dos traços essenciais das obrigações naturais a sua “inexigibilidade”, (em que o devedor não pode ser compelido a efectuar ou cumprir a obrigação), imperativo se mostra concluir que o Acórdão recorrido não se pode manter.
Face ao exposto, o Tribunal Colectivo julgou procedente o recurso de C, revogando o Acórdão recorrido, para ficar a valer a sentença do TJB que julgou procedentes os deduzidos embargos.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, no processo n.º 19/2020.