A é inspectora do Departamento de Inspecção do Trabalho da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais. No ano de 2019, um cidadão apresentou queixa à DSAL alegando que não lhe tinha sido pago um “bónus” pelo seu empregador. A era responsável pelo atendimento e durante o encontro com esse queixoso, após discussão, disse o queixoso a A “faça como sugere”, e dois segundos depois, A respondeu “então, vou ajudá-lo a cancelar isto”. Com base nessa factualidade, A foi acusada de ter induzido o queixoso a cancelar a queixa, e em consequência, foi-lhe imputada a violação do “dever de zelo” e aplicada a pena de multa de 30 dias. A interpôs recurso hierárquico por entender que a DSAL não tinha provas precisas comprovativas de que ela cometeu o erro. Pelo despacho proferido em 27 de Setembro de 2019, o Secretário para a Economia e Finanças julgou parcialmente procedente o recurso hierárquico de A, e alterou a decisão punitiva, mantendo apenas uma das duas infracções disciplinares imputadas, e reduzindo a pena disciplinarmente aplicada (de multa de 30 dias) para a de multa de 15 dias.
Ainda inconformada, A interpôs recurso do supracitado despacho do Secretário para a Economia e Finanças para o Tribunal de Segunda Instância, que, após julgamento, proferiu acórdão no dia 29 de Outubro de 2020, concedendo provimento ao recurso e anulando a decisão punitiva recorrida.
Inconformado com o assim decidido, o Secretário para a Economia e Finanças interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, pugnando pela anulação do acórdão recorrido por padecer dos vícios de erros no reconhecimento de facto e na aplicação da lei.
O TUI conheceu do caso. O Tribunal Colectivo subscreveu o parecer do Ministério Público, indicando que, in casu, não se vê que, de alguma forma, a conduta de A consubstancie uma violação do dever de zelo e, portanto, seja jurídico-disciplinarmente relevante. Na realidade, para que se demonstrasse que, quando disse ao cidadão queixoso que, no seu entender, a queixa que o mesmo apresentou não tinha subsistência, e, desse modo, fez com que, segundo tal opinião, aquele tenha acabado por desistir dessa queixa, A, com tal conduta, violou o dever de zelo, necessário seria que tal actuação fosse demonstrativa de um desconhecimento ou, pelo menos, de uma interpretação errónea das normas legais ou regulamentares aplicáveis, ou de uma incompleta ou negligente apreciação dos factos por errada apreciação dos mesmos ou incompleta instrução, de tal maneira que se pudesse concluir que o entendimento manifestado por A ao dito cidadão queixoso não tinha sustentação ou que era de base legal ou factual duvidosa e que, portanto, A devia ter-se coibido de o expressar, num primeiro momento ou, da seguida, devia ter feito com que a queixa fosse mantida, obstando à respectiva desistência. O certo, porém, é que nada do que referimos se demonstrou ou ficou sequer a constar da fundamentação do acto punitivo. Indicou o Colectivo que, o que objectivamente dos autos resulta, é que A, ponderando os termos da “queixa” antes apresentada sobre uma alegada falta de pagamento de um “bónus” de trabalho ao queixoso, e considerando as declarações pela entidade empregadora posteriormente prestadas, bem como o teor da cópia do respectivo “contrato de trabalho” – pelo qual se justificou que, na situação em causa, completado não estava o período de tempo de trabalho mínimo necessário para o pagamento de tal bónus – terá manifestado a sua opinião sobre o “mérito” da pretensão apresentada. Nesta conformidade, entendeu o Colectivo que, pelo menos, A observou formalmente o estatuído no art.º 7.º, n.º 3, al.s 2) e 3) do Regulamento Administrativo n.º 12/2016 – Organização e funcionamento da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, ou seja emitir pareceres e prestar apoio técnico sobre questões na área da inspecção do trabalho, bem como prestar serviços de consulta jurídica na área do trabalho, receber queixas e proceder à sua análise preliminar, pelo que, sem que devida e completamente apurado e claramente provado esteja que A agiu “erradamente” e com “dolo” ou “negligência”, totalmente prematura e injustificada se apresenta a sua punição.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso, mantendo o acórdão que anulou a decisão punitiva.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância no Processo n.º 24/2021.