O arguido é auxiliar dos serviços de aquisição da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, com local de trabalho num certo armazém, localizado na Areia Preta, em Macau. O seu trabalho exigia deslocações fora do escritório. O horário de expediente do arguido era igual ao dos funcionários públicos gerais, sendo necessário manter, diariamente, o registo de assiduidade através do registo de entradas e saídas. No período compreendido, pelo menos, entre Janeiro de 2010 e Agosto de 2013, o arguido, sem ter obtido autorização superior, saiu de Macau pelo Posto Fronteiriço das Portas do Cerco durante as horas de expediente, pelo menos 95 vezes, e pediu, por telefone, a dois colegas para lhe fazerem os registos de ponto, de forma a criar a ilusão de ter entrado e saído pontualmente. O mesmo foi acusado, por conseguinte, da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de notação técnica, previsto e punido pelo artigo 247.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código Penal e de um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 211.º, n.º 3, do mesmo Código.
Realizado o julgamento, o Tribunal Judicial de Base indicou que as provas produzidas, nomeadamente, as declarações do arguido e testemunhas e o tempo de atraso e de saída mais cedo do arguido, se mostravam insuficientes para comprovarem que o arguido faltara, propositadamente, ao trabalho devido, enquanto pretendia auferir o seu salário, não sendo possível, como resultado, a prova indubitável do seu dolo de burla. Por conseguinte, absolveu o arguido do imputado crime de burla. Salientou, ainda, que o registo de assiduidade é um registo de prestação diária de trabalho pelos funcionários, mas não um dado técnico ou um dado num processo contínuo, como experimento, perícia ou produção, que possa afectar o resultado deste processo. Por isso, no presente caso, não se trata duma notação técnica, mas, antes, dum documento comum. A falsificação, pelo arguido, dos registos de assiduidade, não correspondentes à realidade, prejudicou o bom funcionamento do seu serviço e permitiu-lhe vantagens ilegítimas de poder tratar de assuntos pessoais durante as horas de expediente. Assim, convolou o imputado crime de falsificação de notação técnica para o crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 244.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, pelo que condenou o arguido na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
O Ministério Público, por se sentir inconformado com a referida decisão absolutória, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, alegando que o aresto recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova quando absolveu o arguido do crime de burla com fundamento na não verificação do dolo.
O Tribunal de Segunda Instância conheceu da causa. O Tribunal Colectivo indicou que, da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, se vê que o tribunal a quo já julgou, por provada, a conduta dolosa do arguido de falsificação dos registos do ponto de trabalho com a intenção de obter, para si, vantagens ilegítimas. De acordo com as regras da experiência da vida humana adentro da normalidade destas situações, se o arguido não tivesse falsificado esses registos de assiduidade, a sua entidade patronal teria descoberto logo a realidade de ele não ter estado ao serviço durante as horas de expediente e, como tal, teria determinado o desconto remuneratório, correspondente aos dias de suas faltas injustificadas ao serviço. Acresce que o erro do pessoal da contabilidade e tesouraria dessa Direcção dos Serviços no processamento do pagamento das remunerações do arguido se deveu à falsificação, pelo mesmo, dos registos de assiduidade. Incorreu, assim, o Tribunal a quo no erro notório no que respeita à apreciação da prova, o que implica, ao abrigo do disposto no artigo 418.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, o reenvio do processo para novo julgamento na parte que tenha a ver com o então acusado crime de burla.
Destarte, o Tribunal Colectivo acordou em dar provimento ao recurso do Ministério Público, reenviando o processo para novo julgamento no TJB, na parte respeitante ao acusado crime de burla.
Cfr. Acórdão do TSI, Processo n.º 530/2018.