C, D, E conseguiram obter para si, por meios fraudulentos, o domínio útil de um prédio urbano, sito na Rua do Volong (doravante designada por “prédio”), pertencente a F. Posteriormente, os mesmos venderam o domínio útil a A pelo preço de HK$ 3.000.000,00. Em 01/04/2011, A alienou, pelo preço de HK$ 5.800.000,00, munido de procuração com poderes para o efeito, emitida pelos referidos C, D, E, o referido domínio a B. Pelo crime de burla, vieram C, D, E a ser condenados por decisão, no âmbito do processo criminal, já transitada em julgado em 07/01/2013. O Ministério Público, em nome de F, instaurou acção declarativa civil (doravante designada por “acção declarativa”), contra B, C, D, E, A e o Banco G, que a B concedera um mútuo no valor de 4.000.000,00, garantido por hipoteca do “prédio”. Na “acção declarativa”, por sentença já transitada em julgado, foi decretada em 02/07/2013 a anulação da alienação do domínio útil do “prédio” por F aos então réus. Foi ainda decretada a nulidade do negócio da alienação de C e D a A, da hipoteca ao Banco G e ordenada a restituição do “prédio” ao seu titular F e ordenado, bem assim, o cancelamento dos registos. B intentou acção contra C, D, E, A, pedindo a sua condenação solidária no pagamento do valor do “prédio”. Por sentença de 1.ª Instância, A foi condenado a devolver a B a quantia do valor do imóvel e juros.
Inconformado, A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI); o Tribunal Colectivo do TSI negou provimento ao recurso. A interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância (TUI), tendo indicado que, na sentença proferida na “acção declarativa”, a declaração de nulidade do negócio da transmissão do domínio útil a favor de B encontrava o seu fundamento na falta de legitimidade de C e de D, enquanto alienantes, para realizar a venda do “prédio”. A acha que, conforme a sentença da “acção declarativa”, ele nunca fora considerado como alienante do“prédio”, mas, antes, como procurador de C, D, E. Como tal, por assim ser, C, D, E é que deveriam ter sido condenados a restituir o preço do negócio a B.
O TUI conheceu do caso.
O Tribunal Colectivo indicou que, formalmente, A vendera o domínio útil do “prédio” a B, em nome de C, D, E. Mas, materialmente, A vendera-o no seu exclusivo interesse, já que a procuração que detinha de C, D, E, o habilitava a tal, tendo pagado a estes a totalidade do preço da compra e venda. Face a tal procuração, A podia celebrar quaisquer negócios consigo mesmo. Este tipo de procurações é utilizado, na prática negocial de Macau, para alienar imóveis, sendo que o mandatário é, em termos práticos, o verdadeiro proprietário, dado que, quando é outorgada a procuração, já pagou a totalidade do preço do imóvel ao mandante e tal procuração não pode ser revogada pelo mandante, quando o mandato é também conferido no interesse do mandatário, em face do estatuído no n.º 2 do artigo 1096.º do Código Civil. Por outro lado, foi A quem recebeu para si o preço pago por B. Quanto ao que A alegou, nunca ter sido ele considerado como alienante do “prédio”, mas, antes, como procurador de C, D, E, não é bem assim; tanto, que tal sentença da “acção declarativa” declarou a nulidade do negócio jurídico de C e D após terem alienado a A o domínio útil da propriedade do “prédio”, bem como do negócio jurídico de A ter hipotecado tal propriedade ao Banco G.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo do TUI acha que bem andou o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença de 1.ª instância que condenou A a devolver a B a quantia do valor do imóvel e juros, negando provimento ao recurso.
Cfr. o Acórdão do TUI, no Processo n.º 50/2019.