Em 1995, a sociedade X possuía uma quota de 16/262 avos do parque de estacionamento Y e transferiu a quota de 10/262 avos para B através de um contrato-promessa de compra e venda. Embora B tenha efectuado o pagamento, nunca assinou a escritura de compra e venda. Desde 1995, B começou a ocupar e a dar de arrendamento os referidos 10 lugares de estacionamento. Contudo, desde 2010, A começou a gerir e a dar de arrendamento os tais lugares de estacionamento, recebendo as respectivas rendas, e procedeu, a suas expensas, à realização de obras dos lugares de estacionamento, mas nunca entregou nenhuma dessas rendas a B. A fora sempre reconhecido como proprietário dos lugares de estacionamento pelos seus locatários e pelas partes circundantes. Em 2019, a sociedade X publicou anúncio no jornal em que pedia ao promitente-comprador, B, que tratasse necessariamente das formalidades da escritura pública de compra e venda dos referidos 10 lugares de estacionamento, e no mesmo ano, B pediu a A a restituição dos lugares de estacionamento, as rendas e os recibos das rendas.
A intentou acção declarativa de condenação em processo ordinário junto do Tribunal Judicial de Base contra a sociedade X, com o objectivo de ser declarado proprietário de uma quota de 11/262 do parque de estacionamento Y (o promitente-comprador originário de um dos lugares de estacionamento é C), devido à aquisição por usucapião.
Após a contestação deduzida pela Ré, B apresentou oportunamente intervenção por via do incidente de oposição espontânea, alegando ser o promitente-comprador originário da quota de 10 avos da quota de 11/262 avos que o autor invocou, negando ter cedido a posição contratual ao autor e alegando ser o possuidor da referida quota indivisa de 10/262 avos, e requereu ao tribunal que reconhecesse que ele (e não o autor) adquirira a propriedade da quota de 10/262 avos por usucapião.
O Tribunal Judicial de Base proferiu uma sentença que julgou parcialmente procedente o fundamento do autor e improcedente o fundamento do opoente, declarando que o autor possuía de forma pública e pacífica há, pelo menos, 5 anos, a quota indivisa de 10/262 avos e indeferindo os pedidos da acção do opoente contra o autor e contra a ré.
Inconformado com a sentença, o opoente B recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal de Segunda Instância proferiu um acórdão que alterou a matéria de facto ao reconhecer que, desde 1995 até meados de 2010, B gozava e utilizava, publicamente, os 10 lugares de estacionamento e como sendo proprietário e revogou a decisão do Tribunal Judicial de Base a qual indeferiu o pedido de B, declarou que B tinha adquirido o direito de propriedade sobre a quota de 10/262 avos por usucapião.
A não se conformou, alegando que, a partir de 2009, já exercia a posse dos referidos lugares de estacionamento e que a posse de B tinha cessado em 2009. A recorreu para o Tribunal de Última Instância, alegando que o Tribunal de Segunda Instância tinha reconhecido erradamente que a posse de B era de boa-fé, aplicando assim um prazo de prescrição de 15 anos em vez do prazo de 20 anos para a posse de má-fé.
O Tribunal de Última Instância apreciou o caso e considerou que era razoável que o Tribunal de Segunda Instância alterasse a matéria de facto, isto é, desde 1995 até meados de 2010, B gozava e utilizava, publicamente, os lugares de estacionamento e como sendo proprietário. O Tribunal de Segunda Instância entende que, embora B não tenha conseguido provar os pormenores da constituição de gestão antes e depois de 2008, o facto de ter ocupado e utilizado publicamente os lugares de estacionamento em causa desde 1995 era evidente. Em vez de se limitar meramente a comentar a fundamentação do Tribunal Judicial de Base, o Tribunal de Segunda Instância chegou a uma nova conclusão com base nos elementos de prova, após uma nova análise dos elementos de prova.
No que diz respeito à alegação de A de que B não tinha apresentado provas suficientes para ilidir a presunção de que a sua posse é de má-fé, o TUI salientou que a posse de B, sem dúvida, é de boa-fé (a sua certeza não violou os direitos de terceiros), porque esta posse foi obtida do réu, ou seja titular do registo predial, após o pagamento do preço total da quota de 10/262 avos dos lugares de estacionamento em causa. Foi claramente ilidida a presunção de posse de má-fé prevista na parte final do artigo 1184.º, n.º 2 do Código Civil.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância acorda negar provimento ao recurso interposto por A através da sessão da conferência e reconhece o acórdão recorrido.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, proferido no âmbito do processo n.º 68/2023.