A nasceu em Macau em 1991 e ficou registado no seu assento de nascimento, como sendo filho de B (pai, portador da Cédula de Identificação Policial) e C (mãe, portadora do Título de Permanência Temporária). Em 20 de Setembro de 1991, foram emitidos a A o Bilhete de Identidade de Cidadão Estrangeiro da República Portuguesa e, em 15 de Novembro de 1994, o Bilhete de Identidade de Residente de Macau que posteriormente veio a ser renovado. Em 29 de Junho de 2020, por sentença proferida pelo Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, veio-se a declarar que B não era o pai biológico de A, ordenando-se o respectivo cancelamento no aludido registo de nascimento quanto à paternidade de A; e em consequência, a Conservatória do Registo Civil procedeu em conformidade, rectificando o teor do dito registo de nascimento quanto à sua paternidade, e fez constar por averbamento que o mesmo era filho de D (na altura do seu nascimento, D era portador do Título de Permanência Temporária). Posteriormente, a Direcção dos Serviços de Identificação decidiu declarar a nulidade dos actos administrativos de emissão a A do Bilhete de Identidade de Cidadão Estrangeiro da República Portuguesa, do Bilhete de Identidade de Residente de Macau e do Passaporte da RAEM e dos actos de substituição desses documentos, bem como cancelou o seu Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM e o seu Passaporte da RAEM. A interpôs para o Secretário para a Administração e Justiça recurso hierárquico necessário da decisão referida, o qual, porém, foi indeferido, e, por isso, veio a interpor para o Tribunal de Segunda Instância recurso contencioso da decisão do indeferimento do recurso hierárquico necessário.
Tendo conhecido do caso, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que A goza do direito à residência e que o acto recorrido padece do vício de violação de lei e concedeu provimento ao recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
Inconformada, a entidade recorrida interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância do acórdão do TSI.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.
Entendeu o Tribunal Colectivo que, quanto ao atrás transcrito comando do art.º 4.º, n.º 2 do DL n.º 49/90/M (relativamente ao não “reconhecimento da qualidade de residente”), a entidade recorrente mostra-se equívocada sobre a sua ratio e o seu verdadeiro sentido e alcance. A decisão da entidade recorrente assenta em excessiva (e mesmo indevida) relevância atribuída à natureza ilícita das falsas declarações sobre a paternidade do ora recorrido por ocasião do seu nascimento. No entanto, indicou o Tribunal Colectivo que, ainda que o dito ilícito seja de natureza penal, a responsabilidade pelo mesmo é questão que apenas diz respeito a quem o cometeu; ainda que a sua prática tenha levado à declaração de nulidade do registo de nascimento, este vício apenas atinge a respectiva parte afectada, ou seja, apenas no que toca à declarada falsa paternidade. Eis porque o principal objectivo do referido DL n.º 49/90/M é definir os critérios para a concessão do aludido “Título de Permanência Temporária” e seus respectivos efeitos quanto ao “direito de permanência” (legalizando-o), havendo que se apurar da verificação e atribuição do dito estatuto de residente com o apelo a outros subsídios (como o DL n.º 28/89/M - “Regime legal da entrada, permanência e fixação de residência em Macau”, bem como, mais tarde, os Despachos n.º 48/GM/90 e n.º 49/GM/90 de 30 de Abril, o aludido DL n.º 49/90/M de 27 de Agosto, o D.L. n.º 16/91/M de 25 de Fevereiro, o DL n.º 6/92/M de 27 de Janeiro e o Despacho n.º 46/GM/96).
Indicou o Tribunal Colectivo que na sequência da “Operação Dragão” e do “Incidente de 29 de Março”, com a publicação dos Despachos n.º 48/GM/90 e n.º 49/GM/90, o Governo iniciou o processo de identificação dos indivíduos até à altura indocumentados e em permanência ilegal, com a definição e adopção dos critérios da concessão do estatuto de residente aos que foram abrangidos pelo “Incidente de 29 de Março”: no n.º 3 do Despacho n.º 48/GM/90 constava que “aos indivíduos que reúnam as condições a fixar para obtenção do estatuto de residente seja concedido, antes do termo do prazo acima indicado, um título de permanência temporária, válido por um ano, renovável”; com o DL n.º 6/92/M, fixaram-se as regras quanto à emissão do “Bilhete de Identidade de Residente” a favor dos titulares de “Cédula de Identificação Policial e Bilhete de Identidade”, onde se estatuiu expressamente no seu art.º 5.º: “1. Consideram-se residentes no Território os menores, naturais de Macau, filhos de indivíduos autorizados, nos termos da lei, a residir em Macau ao tempo do seu nascimento” e “2. Para efeitos de concessão de BIR a prova de residência dos menores a que se refere o número anterior faz-se pela apresentação de documento que, nos termos da legislação em vigor, comprove a residência no Território, à data do nascimento, de um dos pais”; além disso, com o n.º 1 do Despacho n.º 46/GM/96 determinou-se que “Todos os indivíduos que sejam portadores de Título de Permanência Temporária (TPT), emitido nos termos do Decreto-Lei n.º 49/90/M, de 27 de Agosto, cuja validade se mantenha, devem substituí-lo por Bilhete de Identidade de Residente (BIR) nos termos e prazos adiante consignados”. Daí que, ponderando o facto do seu nascimento em Macau em 1991 e o de ele ser filho de pai e mãe (biológicos), no momento, portadores de Título de Permanência Temporária, entendeu o Tribunal Colectivo que, independentemente da falsa paternidade então declarada e ao tempo ainda registada, adequado foi o reconhecimento do seu estatuto de residente, com a respectiva emissão do seu Bilhete de Identidade de Residente em 15 de Novembro de 1994, pois que está em harmonia com o quadro legal no momento aplicável (e que atrás se deixou identificado).
Face ao exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 24/2023.