O ofendido C e o seu pai possuíam, cada um, metade da propriedade da fracção envolvida. Em 2015, os arguidos B e J, sob os alegados pretextos de “C seduziu a cunhada” e “a denúncia apresentada por C ao patrão resultou no despedimento de J”, obrigaram C a pagar-lhes MOP75.000,00, a título de “hush money” e “indemnização pelo despedimento”. C, tendo deficiência intelectual ligeira, acreditou no que alegaram B e J e sentiu medo, pelo que consentiu em pagar a referida quantia. Mas, por C não ter dinheiro suficiente, B aliciou C para pedir empréstimo para jogo ao arguido D, bem como para hipotecar a sua metade do direito de propriedade como garantia. Para o efeito, B e D encontraram-se com os arguidos A e E para prestarem auxílio, e sob o pretexto de concederem um empréstimo de MOP1.000.000,00 a C para jogo, aliciaram C para assinar, precipitadamente e sem compreender o seu conteúdo, um contrato-promessa segundo o qual vendia a metade da fracção envolvida pelo preço de HKD2.000.000,00, um recibo segundo o qual C recebera integralmente o preço, e uma procuração através da qual C conferia poderes a A para livremente vender a metade da fracção envolvida, levando C a crer, equivocadamente, que pedira emprestado o montante de HKD2.000.000,00. Tendo assinado a referida procuração, C foi levado, por B e D, a uma sala VIP para jogar, e nesse período, foram entregues a C as fichas no valor de HKD1.000.000,00, as quais foram apostadas por B e D e vieram a ser integralmente perdidas. Depois, B interpelou, por várias vezes, C para devolver o dinheiro emprestado, dando-lhe instruções para solicitar, sob o pretexto de perda do investimento, ao seu pai que alienasse a outra metade da fracção envolvida para pagar a dívida. C, com receio que acontecesse algo de mal aos seus familiares, comunicou-lhes o assunto e apresentou queixa à Polícia Judiciária. Posteriormente, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática de 1 crime de burla de valor consideravelmente elevado, 1 crime de falsificação de documento de especial valor e 2 crimes de falsificação de documento, e em cúmulo jurídico, numa pena global de 3 anos e 9 meses de prisão efectiva; e condenou B, pela prática de 1 crime de extorsão, 1 crime de burla de valor elevado e 1 crime de burla de valor consideravelmente elevado, na pena global de 3 anos e 3 meses de prisão efectiva.
Inconformados com o assim decidido, os dois arguidos recorreram para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, indicando que, quando o crime-meio e o crime-fim lesem bens jurídicos diferentes, para saber se existe concurso real ou aparente de crimes, há que analisar concreta e globalmente os factos praticados pelo agente, atender à conexão e autonomia dos seus actos, e em consequência, determinar se tais actos do agente constituem um só crime, ou vários crimes relativamente autónomos. O arguido A, em conjugação de esforços e divisão de tarefas com os outros arguidos, enganou o ofendido C, e no momento em que C foi levado a crer que devia dinheiro aos arguidos e prometeu liquidar a dívida, já estava verificado o requisito de determinar, por meio de engano, C à prática de actos susceptíveis de causar-lhe prejuízo patrimonial, não sendo os respectivos documentos o instrumento indispensável ou a única astúcia imprescindível para a prática da burla. Quando C não conseguiu devolver o dinheiro, o arguido A aproveitou os documentos em causa para transferir o património de C e obter benefício ilegítimo, condutas essas que constituem, sem dúvida, dois crimes, ou seja o crime de burla e o crime de falsificação de documento, pelos quais foi condenado. A falsificação dos documentos não se destinou a realizar a finalidade de burla, sendo assim autónomos esses dois actos praticados pelo arguido A. Por isso, improcede o fundamento de que entre o crime de burla e o crime de falsificação de documento se verifica o concurso aparente, e deve ser rejeitado o recurso nesta parte. Os outros fundamentos invocados pelos arguidos A e B foram todos apreciados pelo Tribunal Colectivo e julgados improcedentes.
Pelo exposto, acordaram no Tribunal Colectivo do TSI em julgar improcedentes os recursos de A e B, mantendo-se a sentença a quo.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 546/2022.