Em 31 de Julho de 2002, A, na qualidade de residente de Macau, solteiro e adulto, adquiriu, por meio de compra e venda, uma fracção autónoma em Macau, e procedeu ao registo do direito de propriedade em seu próprio nome na Conservatória do Registo Predial. Em 20 de Dezembro de 2002, A e C contraíram casamento civil na República Popular da China, sem convenção antenupcial. Após o casamento, cada vez que C veio para Macau, e posteriormente, depois da obtenção da autorização de residência em Macau, C coabitou sempre com A e o filho deles na referida fracção autónoma. Em Março de 2017, A saiu da aludida fracção. No dia 26 de Janeiro de 2018, por escritura de compra e venda, A alienou a supracitada fracção a B, pelo preço de HKD4.000.000,00. Desta escritura consta que A casou-se com C em regime da comunhão de adquiridos. C só teve conhecimento da venda da fracção por parte de A quando recebeu a chamada de B, nunca tendo consentido na venda da fracção. A seguir, C intentou acção declarativa junto do Tribunal Judicial de Base, contra A e B, pedindo a declaração da nulidade do negócio jurídico celebrado entre eles no dia 26 de Janeiro de 2018 e da respectiva escritura de compra e venda, e também, subsidiariamente, a anulação do negócio jurídico e da escritura.
O TJB conheceu do caso, indicando que as questões principais residem em saber: 1) se a compra e venda entre A e B, celebrada em 26 de Janeiro de 2018, constitui um acto simulado, e em consequência, deve ser declarada nula; e 2) caso seja negativa a resposta, se há-de ser anulada a respectiva compra e venda por ter por objecto a casa de morada da família e carecer do consentimento de C. Realizada a audiência de julgamento, entendeu o Juiz que, em primeiro lugar, não ficou provada a existência do acordo, entre A e B, com intuito de enganar terceiros, ou de divergência entre a declaração negocial e a vontade real de A, pelo que improcede o pedido principal de C. Em segundo lugar, C alegou que a fracção envolvida era casa de morada da família, mas A e B não entenderam assim. Face a tal questão, o TJB apontou que, a casa de morada da família deve ser a habitação onde vivem ou viviam o casal e os filhos. Na verdade, o disposto no art.º 1648.º do Código Civil e no n.º 4 do art.º 1249.º do CPC suportam bem que uma residência não perde, necessariamente, a qualificação como casa de morada da família por causa de separação de facto ou divórcio do casal. Mesmo que o casal se encontre em situação de separação, e uma das partes abandone a casa de morada da família, muitas vezes, os seus filhos continuam a ter o centro da vida na anterior residência, e ainda merecem tutela os interesses dos filhos e do cônjuge que vivem na casa de morada da família. Não obstante que A abandonasse a fracção envolvida em Março de 2017, e C admitisse ter mudado a fechadura da porta da mesma fracção, na data em que A e B celebraram oficialmente a escritura de compra e venda, C e o filho ainda continuaram a viver na fracção em questão. No dia 26 de Janeiro de 2018, A e C ainda não estavam divorciados, nunca tendo C consentido em deixar de usar a fracção em causa como casa de morada da família. Nestes termos, há que entender que, no dia 26 de Janeiro de 2018, a fracção envolvida tinha a natureza de casa de morada da família, natureza essa que não se alterou pela saída de A da fracção e pela mudança da fechadura da porta por parte de C. Por isso, ao abrigo dos disposto nos art.ºs 1548.º, n.º 2 e 1554.º, n.º 1 do Código Civil, o TJB julgou procedente o pedido subsidiário de C, e em consequência, anulou o negócio entre A e B relativo à aludida fracção.
Inconformados com o assim decidido, A e B recorreram para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI entendeu que, a decisão recorrida está suficientemente fundamentada, tendo o Juiz a quo feito na decisão uma análise crítica e fundamentação incisiva sobre as questões levantadas pelos recorrentes. Pelo que, nos termos do art.º 631.º, n.º 5 do CPC, o Colectivo concordou em remeter para os fundamentos invocados na decisão recorrida e negar provimento ao recurso.
Face ao exposto, em conferência, acordaram os Juízes do Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 191/2022.