A é uma sociedade comercial que se dedica a instalar, operar e gerir jogos de fortuna ou azar em casino, e no dia 19 de Dezembro de 2002, foi-lhe concessionada a actividade de exploração e operação de jogos de fortuna ou azar em casino na RAEM. Para além da supracitada actividade, A dedica-se também, acessoriamente, ao exercício da actividade de concessão de crédito para jogo ou para aposta em jogos de fortuna ou azar em casino. No âmbito dessa actividade acessória, A celebrou com B, em 4 de Junho de 2014, um contrato de crédito para jogo, concedeu-lhe um crédito de HKD$8.592.000,00, e ambos acordaram na remuneração do valor mutuado mediante pagamento de juros à taxa de 18% ao ano. Em 16 de Janeiro de 2015, B reembolsou a A a quantia de HKD$1.000.000,00, e ainda ficou a dever HKD$7.592.000,00 a título de capital. Apesar das interpelações de A, B não liquidou integralmente a sua dívida. No dia 3 de Maio de 2016, A intentou contra B uma acção executiva ordinária para pagamento de quantia certa, no entanto, nada foi encontrado em Macau em nome de B, pelo que a respectiva dívida não foi coercivamente executada. A seguir, A propôs acção declarativa de condenação em processo ordinário no Tribunal Judicial de Base, e pretendeu obter uma sentença condenatória de B para, seguidamente, executar os bens que este possui em país estrangeiro da sua residência. Após julgamento, o TJB entendeu que o preceituado no art.º 72.º do CPC não permite dar como verificado o interesse processual de A quando a acção proposta apenas visa assegurar o posterior recurso a jurisdições estrangeiras, e que, a posse de título executivo por A impedia, igualmente, o interesse processual em sede de uma posterior acção declarativa de condenação, por força do art.º 73.º, n.º 3, al. a) do mesmo Código, sendo assim, B absolvido da instância.
Inconformada com o decidido, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão do TJB. Ainda inconformada, A interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso, indicando que, o interesse processual consiste na indispensabilidade de o autor recorrer a juízo para satisfação da sua pretensão, e na inevitabilidade do pedido de tutela jurisdicional apresentado, ou, dito de outra forma, que a tutela jurisdicional seja necessária e útil de forma a que o autor não consiga o bem cujo direito reclama sem a tutela requisitada. Por outro lado, se a lei processual proíbe, expressamente, a prática de actos inúteis, declarando-os ilícitos (cfr. o art.º 87.º do CPC), por maioria de razão teria de proibir uma acção inútil, assim se obstando também a que um titular de um direito subjectivo material possa, sem mais, solicitar uma qualquer tutela judiciária, impondo, assim, à contraparte a perturbação e gravame inerente à posição de demandado, que se traduz, principalmente, em ter de deduzir a respectiva defesa sob pena de a ver precludida, com os adicionais custos para a máquina judiciária e para o interesse de toda uma colectividade. Entendeu o Tribunal Colectivo que, em face dos elementos constantes dos autos, claramente explicitada está a necessidade e utilidade da acção proposta por A, e a mesma mostra-se plenamente justificada, sob pena de excessiva e indevida contracção e restrição do direito e garantia de acesso aos tribunais, consagrado no art.º 36.º da Lei Básica da RAEM e no art.º 1.º do CPC. Face à impossibilidade de pagamento do crédito reclamado por A devido à falta de bem exequível depois da execução instaurada, deve-se reconhecer o interesse processual de A, pois que, a acção declarativa que propôs mostra-se necessária e útil à tutela do seu interesse em se ver ressarcida do prejuízo que sofreu em resultado do crédito que concedeu a B, sendo mesmo de salientar que se trata do único meio para tal efeito.
Pelo exposto, em conferência, acordaram conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, e decretando-se a devolução dos autos ao TJB para, nada obstando, prosseguir os seus normais termos.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância no Processo n.º 60/2022.