Em 29 de Junho de 1939, A doou 30/100 do domínio útil dum prédio urbano, situado na Rua de Miguel Aires, e aforado pela RAEM desde 1883 a uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (doravante designada por autora), encarregando-a de o administrar, na condição de a autora pagar, anualmente, a A ou ao seu representante, 70/100 do rendimento líquido do referido prédio. No entanto, há mais de 30 anos que ninguém comparece junto da autora para arrecadar os falados rendimentos e esta última procede à administração do prédio como proprietária única. No ano de 2016, a autora intentou, junto do Tribunal Judicial de Base, acção declarativa ordinária contra A, os herdeiros de A e a RAEM, pedindo que lhe fosse reconhecida a titularidade do domínio útil sobre todo o prédio por via de usucapião. O Tribunal Judicial de Base rejeitou o dito pedido por considerar que a autora não tinha demonstrado factos reveladores de uma oposição contra a contitularidade, para que pudesse adquirir a respectiva posse por inversão do título de posse.
Inconformada, a autora interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, invocando a razão de que, desde há mais de 30 anos, ninguém se arroga titular do domínio útil do prédio, para que à autora fosse, então, possível demonstrar a sua oposição, com vista à inversão do título de posse.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso.
Segundo o Tribunal Colectivo, nos termos do artigo 1302.º do Código Civil, o uso da coisa comum não constitui, em geral, para o comproprietário uma posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título, previsto no n.º 2 desse artigo. Para haver essa inversão é suposto que os actos materiais praticados pelo interessado na aquisição por inversão do título de posse ilustrem uma oposição desse comproprietário contra o(s) outro(s). Geralmente, quando um comproprietário usa a quota do outro da coisa comum, fá-lo como possuidor precário. Mas se esse uso é feito a título de posse em nome próprio, isso significa que pretende adquirir contra o(s) outro(s) (por oposição ao outro) a parte que a este(s) pertence. A oposição tem que se traduzir, portanto, em actos positivos e inequívocos (materiais ou jurídicos) e categóricos, para que não fique dúvida de que a sua intenção é a de adquirir a quota de quem a possuía. Sem essa oposição, não é possível ocorrer a inversão do título de posse, o que impede a aquisição por usucapião. O Tribunal Colectivo realçou que, no caso sub judice, desde há longo tempo é desconhecido o paradeiro de A, nem se sabe se ela ainda é viva, pelo que à autora não é possível manifestar, perante e contra a primeira, o propósito inequívoco de inversão do título de posse, o que leva à impossibilidade dessa inversão.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso.
Cfr. Acórdão do TSI, Processo n.º 1006/2018.