O dono dum estabelecimento de comidas foi condenado a devolver o espaço da loja ao proprietário por ter explorado o local, durante anos, sem título de arrendamento
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
2019-08-22 17:02
The Youtube video is unavailable

Em 2015, os Condóminos do Centro Comercial A (autora), representados pela Comissão de Gestão dos Condóminos deste Centro Comercial, intentaram, junto do Tribunal Judicial de Base, acção de reivindicação contra B (ré), ou seja, o dono do estabelecimento de comidas “X Kee beef offal”, situado junto à entrada do referido Centro Comercial na Travessa dos Anjos. A autora alegou que B ocupara, ilegalmente, ao longo dos anos, o aludido espaço para a exploração do referido estabelecimento de comidas; assim, pediu ao Tribunal que a condenasse a desocupar o espaço e a proceder à sua devolução. A ré argumentou, por sua vez, na contestação, ser legal essa ocupação por o ter arrendado para explorar o dito estabelecimento, com base num acordo verbal, celebrado com a referida Comissão de Gestão do Centro Comercial e a Companhia de Administração do Edifício.

Realizada a audiência, o Tribunal Judicial de Base apurou a seguinte factualidade: nos finais de 1998, devido à escassez de clientes e baixo volume de negócios, a então Comissão de Gestão do Centro Comercial decidiu dar de arrendamento partes comuns do Centro a preços reduzidos para cobrir as despesas com o funcionamento quotidiano e melhorar a situação do negócio. Em Janeiro de 1999, a sogra da ré acordou, com a então Comissão de Gestão e o representante da Companhia de Administração C, contratado pela dita Comissão, no sentido de arrendar esse espaço pela renda mensal de 5380 dólares de Hong Kong, começando, a partir de então, a explorar, nessa localidade, o atrás referido estabelecimento de comidas. Desde então, B pagou, mensalmente, uma renda à Companhia C até Outubro de 2015, altura em que esta companhia viu revogado o seu poder de administração pela nova Comissão de Gestão do Centro Comercial e abandonou o Centro. A Comissão de Gestão enviou a B, respectivamente, em Dezembro de 2012 e Setembro de 2013, carta registada com aviso de recepção e notificação judicial avulsa, pedindo a desocupação do local, à qual B não ligou. Na constância da referida relação de arrendamento, B exigiu, várias vezes, à Comissão de Gestão a celebração de contrato escrito de arrendamento, mas esta última arranjou sempre desculpas, pelo que o contrato nunca chegou a ser celebrado.

No início de 2017, o Tribunal Judicial de Base proferiu sentença. Segundo a sentença, existe entre as partes uma relação de arrendamento por este espaço ter sido arrendado a B por quem, ao tempo, tinha legitimidade para o efeito – a Comissão de Gestão do Centro Comercial. Logo, a acção de reivindicação, intentada pela autora, não pode proceder, face ao disposto no artigo 1235.º, n.º 2, do Código Civil, sem prejuízo de, em sede própria, a autora poder recorrer às normas para fazer cessar o tal arrendamento. Nestes termos, julgou improcedente a acção intentada pela autora.

Inconformada, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por seu lado, conheceu da causa.

Em primeiro lugar, o Tribunal de Segunda Instância prestou um esclarecimento, relativamente aos factos dados como provados pelo Tribunal a quo. Conforme a clarificação, quem realizou negociações e chegou a acordo com a ré foi a Comissão de Gestão dos Proprietários da Propriedade Horizontal do Centro Comercial A, enquanto o órgão que, actualmente, representa os condóminos no presente processo judicial, é a Comissão de Gestão dos Condóminos do Centro Comercial A, criada em 2014, sendo eles dois órgãos distintos.

No tocante às questões jurídicas controvertidas neste processo, o Tribunal de Segunda Instância indicou que, apesar de a ré ter alegado a existência dum acordo verbal de arrendamento entre a sua sogra e a então Comissão de Gestão do respectivo Centro Comercial, tal acordo não pode ser juridicamente reconhecido, porque: primeiro, o acordo padece do vício de forma, visto que não obedeceu à forma escrita enquanto contrato de arrendamento de imóvel, conforme o exigido no artigo 1302.º, n.º 1, do Código Civil. Acresce que, mesmo que existisse um contrato de arrendamento, este fora também denunciado, unilateralmente, mediante a notificação judicial avulsa de 5 de Setembro de 2013, emitida à ré pela então Comissão de Gestão. Além disso, no que tange ao conteúdo do citado acordo, o estabelecimento “X Kee beef offal” localiza-se num espaço (parte) comum do referido Centro Comercial, o que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal do edifício, não foi afecto ao uso exclusivo de ninguém. Nestas circunstâncias, se se quiser dar de arrendamento a respectiva loja, situada no espaço comum do Centro Comercial para o uso exclusivo de B, é necessário alterar o respectivo título constitutivo, em conformidade com o disposto no Código Civil. Dado que tal alteração do título jamais ocorreu e o homem que celebrou o respectivo acordo com B, representava tão-somente a então sociedade gestora, não tendo legitimidade, nem poder, para dar de arrendamento a parte comum do Centro Comercial, o referido acordo verbal é assim também inválido em termos de substância. Assim, por estarem verificados todos os pressupostos, consagrados no artigo 1240.º do Código Civil, deve ser atendido o pedido de reivindicação, formulado pela autora, com base na deliberação e em representação dos condóminos do referido Centro Comercial.

Nestes termos, acordaram no Tribunal Colectivo em conceder provimento aos recursos interpostos pela autora, anulando a decisão recorrida e condenando a ré B a desocupar o espaço público (a respectiva loja) do Centro Comercial A e a proceder à sua devolução à autora.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 640/2017.

 


Subscreva “GCS RAEM – Plataforma de notícias do governo” no Telegram https://t.me/macaogcsPT para receber as últimas notícias do governo.
Inscrição
GCS RAEM Facebook
GCS RAEM Facebook
GCS RAEM Wechat Channel
GCS RAEM Wechat Channel
澳門政府資訊
澳門特區發佈
GCS RAEM Plataforma de notícias do governo
GCS RAEM Plataforma de notícias do governo
Link is copied.