Inexiste erro de conhecimento sobre a ilicitude, quando um crime, cometido em Macau, é também proibido no local de residência do arguido
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
2019-07-23 17:12
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No início de Abril de 2015, o arguido A adquiriu, no interior da China, um aparelho de electrochoque pelo preço de RMB¥280. No dia 8 de Abril de 2015, A entrou em Macau com passaporte de Taiwan, trazendo consigo, em sua posse, o referido aparelho de electrochoque. Na tarde do mesmo dia, A colocou na máquina de raio-X no Átrio de Partida do Aeroporto de Macau a mala, contendo o falado aparelho de electrochoque para a inspecção. O pessoal de segurança do aeroporto descobriu o dito aparelho e informou os agentes policiais destacados no aeroporto. Após peritagem, realizada pelo Departamento de Ciências Forenses da Polícia Judiciária, verificou-se que o supra mencionado aparelho de electrochoque funcionava normalmente e era objecto abrangido pelo Decreto-Lei n.º 77/99/M. Por conseguinte, o Ministério Público acusou A da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de armas proibidas, previsto e punido pelo artigo 262.º, n.º 1, do Código Penal de Macau, conjugado com o artigo 1.º, n.º 1, al. d), e artigo 6.º, n.º 1, al. b), ambos do Decreto-Lei n.º 77/99/M. Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base deu por provado que A agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao trazer consigo uma arma proibida, sem que houvesse justificado a sua posse; e que A estava bem ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei. Assim, julgou procedente a acusação, deduzida pelo Ministério Público, e condenou A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma, proibida, previsto e punido pelo artigo 262.º, n.º 1, do Código Penal de Macau, conjugado com o artigo 1.º, n.º 1, al. d), e artigo 6.º, n.º 1, al. b), ambos do Decreto-Lei n.º 77/99/M, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.

Inconformado com o supra aludido acórdão, o Ministério Público salientou que, segundo o demonstrado pelas provas produzidas na audiência de julgamento, A, não-residente de Macau, adquiriu o aparelho de electrochoque no interior da China e pretendia levá-lo para Taiwan através de Macau; ele afirmou, expressamente, não ter conhecimento de que a detenção do referido aparelho era ilegal em Macau. À excepção da declaração de A, todas as demais provas mostram somente que A objectivamente deteve uma arma proibida. E o factualismo de “A bem sabia que os aparelhos de electrochoque eram armas proibidas em Macau” deveria ter sido dado como provado, mas não foi. O Ministério Público entendeu que A pensava ser legal deter aparelhos de electrochoque em Macau, padecendo assim do erro sobre elementos de direito do tipo de crime e do erro sobre a proibição a que se refere o artigo 15.º do Código Penal de Macau. De acordo com o aludido diploma, o erro sobre as circunstâncias do facto exclui o dolo. No caso sub judice, o crime de detenção de armas proibidas pelo qual A foi condenado, é crime doloso, não sendo punível o acto negligente. Da “análise e convicção acerca de facto” do aresto recorrido não se vislumbra que o Tribunal Colectivo a quo procedeu à análise, apreciação e reconhecimento, relativamente ao falado erro de conhecimento de A. Por isso, no entender do Ministério Público, o acórdão recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 400.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal e violou o princípio da culpa (a lei exige o dolo), o que conduziu ao erro no reconhecimento de facto e erro na aplicação da lei. Pelo que desse acórdão recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, pedindo a sua revogação do mesmo ou a realização de novo julgamento pelo Tribunal Judicial de Base.

O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso.

Quanto aos vícios de julgamento de facto por parte do Tribunal a quo, invocados pelo Ministério Público, o Tribunal Colectivo indicou ser infundada a asserção de que um cidadão comum não tem um conhecimento básico sobre a ilegalidade da detenção duma pistola de electrochoque suficientemente carregada, tal como a descrita no caso em apreço. Dos dados encontrados na internet pode saber-se que a detenção de aparelhos de electrochoque em Taiwan, onde A pertence, não é totalmente aberta e livre, havendo ao contrário consideráveis restrições criadas por lei local. A ofensa às disposições relativas à detenção também é legalmente sancionada. Por conseguinte, o Tribunal Colectivo não vislumbrou suficientes razões que justificassem o desconhecimento de A sobre a ilegalidade da detenção de armas proibidas em Macau. O Tribunal Colectivo também asseverou que A estava obrigado a consultar, antecipadamente, as disposições pertinentes de Macau, dado que a mesma conduta também era ilegal no seu local de residência. A prática arbitrária, sem qualquer verificação, só vem confirmar o seu dolo, ou, pelo menos, dolo eventual, e nada tem a ver com o erro de conhecimento.

Face ao exposto, o Tribunal de Segunda Instância julgou inexistir, no caso em escrutínio, qualquer circunstância excluidora do dolo e, em consequência, negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo o acórdão recorrido.

Cfr. Acórdão do TSI, Processo n.º 426/2017.

 


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